O limite estabelecido pelo governo federal para compensações tributárias deve ser questionado por empresas na Justiça. Clientes começaram ontem a procurar escritórios de advocacia para discutir a questão, poucos dias depois de a novidade, prevista na Medida Provisória (MP) nº 1.202, de 2023, ser regulamentada por meio de portaria.
Apesar de elucidar algumas das dúvidas, a Portaria nº 14 do Ministério da Fazenda, publicada na noite de sexta-feira, deve gerar ao menos quatro pontos de judicialização, segundo advogados. Os argumentos que as empresas poderão usar no Judiciário, dizem, vão desde o desrespeito aos princípios da legalidade, isonomia e propriedade à desobediência à coisa julgada.
A judicialização deve envolver, afirmam especialistas, principalmente as empresas com valores totais de créditos entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões. Nesses casos, as compensações devem ser feitas em prazos mínimos de 20 a 60 meses. Para as que têm créditos entre R$ 10 milhões e R$ 100 milhões, o mínimo é de 12 meses, algo considerado razoável.
Na prática, o teto mensal de compensação para todas as faixas é de R$ 10 milhões. Se o valor dos impostos a serem pagos ao governo for maior, a empresa precisará, então, desembolsar a diferença em dinheiro. Antes, como não havia limitação, o contribuinte poderia compensar todo o crédito de uma só vez.
Para tributaristas, a portaria também gera uma dificuldade burocrática, porque o sistema da Receita Federal não permite a compensação de créditos acima de cinco anos – período mínimo para compensar valores acima de R$ 500 milhões.
“As Dcomps [declarações de compensação] não conseguem ser transmitidas se o crédito tem mais de cinco anos, ou seja, terá que haver uma coincidência entre o limite máximo e mínimo ou a Fazenda entender de uma forma diferente, para destravar o sistema”, afirmam.
É a primeira vez que existe uma restrição temporal e do volume a ser compensado. Antes, outros tipos de baliza foram estabelecidas, com estimativas de Imposto de Renda, contribuição previdenciária e prejuízos fiscais. Desta vez, dizem os especialistas, a limitação foi mais severa por restringir o alcance de uma decisão judicial, direito assegurado pela Constituição.
A medida, dizem advogados, também fere a isonomia porque os contribuintes que optaram por precatório devem receber mais rápido do que aqueles que escolheram a via da compensação. Em média, o precatório federal é recebido no intervalo entre um e dois anos. Aqueles que já iniciaram a compensação ou já escolheram essa via não podem voltar atrás e optar pelo precatório.
Eles entendem ainda que a medida viola o princípio da legalidade. Isso porque uma MP não poderia delegar a um ato do Ministério da Fazenda a regulamentação. Além disso, questiona-se a necessidade e urgência da medida ter sido feita por uma MP, enquanto a via correta deveria ser por lei ordinária, por meio do envio de um projeto de lei. Essa discussão será o tema de uma reunião entre líderes do Congresso hoje.
Alguns destacam que a portaria institui um “empréstimo compulsório disfarçado”.
O objetivo do teto, acrescenta, é proteger a arrecadação. Desde 2019, o volume de créditos fiscais contra a União cresceu consideravelmente, sobretudo por conta do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da “tese do século”, que, em 2017, excluiu o ICMS da base do PIS e da Cofins. Ou seja, o governo vai deixar de arrecadar bilhões por conta das compensações feitas com os créditos gerados.
Segundo o Ministério da Fazenda, R$ 60 bilhões foram usados pelos contribuintes para compensar débitos federais, entre janeiro e agosto de 2023. Desde 2019, os créditos judiciais têm representado 38% dos usados nas compensações federais. Entre 2005 e 2018, esse percentual era de 5%. Do total, cerca de 90% vieram da tese do século. Procurados pelo Valor, a Receita e o Ministério da Fazenda não se manifestaram.
As limitações da portaria só valem para créditos acima de R$ 10 milhões. A MP que inicialmente estabeleceu a nova regra ainda precisa ser convertida em lei pelo Congresso Nacional. Ao ser publicada, também revogou benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e derrubou a desoneração da folha de salários. Essas últimas medidas, porém, só começam a valer em abril.
Fonte: Valoe Econômico